25 novembro 2012

Espaço do Leitor no #JAD


09 de Novembro, 2012. Nem tão doce assim.

Havia poeira, teias de aranha e contas sobre o carpete, coloquei as malas no chão e respirei fundo, enfim eu estava de volta. A casa ainda era a mesma, mas muita coisa ali havia mudado, a começar por mim. Apesar de tudo uma coisa ainda me incomodava naquela casa, era como se ali dentro o tempo não tivesse passado, era como se ali dentro ainda fosse dia 09 de Novembro de 2009 e as coisas ainda estivessem acontecendo, ali naquela casa era como se todas as decisões, passagens compradas, carimbos no passaporte, mudanças e atitudes nunca tivessem sequer pensado em acontecer.
- É estranho estar de volta ao passado Sofia._ disse em voz alta pra mim mesma. Porque falar em passado ali naquela sala de estar empoeirada não fazia o menor sentido, ali não havia passado nada, ou talvez em mim nada tivesse passado.
Fui até o quarto, a cama, o armário, os pertences, as fotos, absolutamente tudo no mesmo lugar. E foi então que o vi num cantinho e olhar pra ele me fez escrever essas palavras, olhar pra aquele instrumento me fez voltar pra viver o que eu não me permiti viver no tempo certo, mas não sei se existe tempo certo pra dizer adeus.

                                                                                                                            "09 de Novembro, 2012.
Querido Charlie. 
A casa continua a mesma e eu acabei de perceber que todas as minhas mudanças não me mudaram em nada. Continuo apaixonada pelo violino e tocá-lo de novo foi a coisa mais estranha que me aconteceu depois de tanto tempo, é como se eu nunca tivesse parado de tocar, é como se você nunca tivesse parado de me ouvir. Pela primeira vez em três anos consegui parar pra pensar nessas coisas que deixei acumular, percebi que foi um erro, não deveria ter deixado todo esse acúmulo pesando dentro de mim, é como faturas de um cartão de crédito com juros e anuidades altos demais se a gente deixa acumular acaba percebendo que vai ser muito mais difícil pagar. O que quero dizer é que talvez eu não consiga mais saldar essa dívida. Vou ter que conviver com isso, isso e o espaço sobressalente na minha cama, no meu armário, pelo resto da casa e óbvio na minha vida. A primeira coisa que lembrei ao entrar em casa foi daquela frase:
“-Toca pra mim, eu gosto desse som.”
Você mentia tão bem ou talvez fosse apenas uma forma de me fazer calar a boca e te deixar em paz com seus livros de filosofia e suas partituras, nunca vou ter certeza sobre isso, até porque não consigo pensar nos seus deslizes dessa forma, essa era a parte que eu mais gostava, dos seus escorregões, eram eles que faziam você ser tão você, aquele seu jeito tão inconfundível de ser. Três anos viajando por ai, acredita? Fui pra Índia, Alemanha, Japão, Brasil, Istambul pro quinto dos infernos e pra mais alguns outros lugares... Pensei que “viver” por ai durante esse tempo, cortar o cabelo, mudar o visual e fazer uma tatuagem no pulso, voar de asa delta, andar montada num elefante, fumar maconha, andar de balão e tantas outras bobagens; pensei que fazendo todas essas coisas bobas e idiotas conseguiria apagar certas imagens, pensei que deixando de ser a mulher que eu era poderia esquecer o homem que você foi, mas foi tudo um grande equívoco. Pensei que funcionaria Charlie, mas só funcionaria se eu me mantivesse longe dessa casa, esbarrei com teus LPs dos Beatles, com teu cheiro no meu armário, com a cicatriz na minha testa e com o violino.
                Ainda tem ração do Kevin na dispensa e a casinha dele ainda está no jardim, a sua mãe cuida dele agora; ainda tem um par de ingressos do Paul McCartney na gaveta do criado mudo, suas toalhas de banho ainda estão ao lado das roupas de cama. O seu programa preferido ainda passa na TV e picapes pretos continuam rodando pelas estradas. Ainda tem um par de alianças no meu dedo direito. Ainda tenho aquelas luvas horríveis que você me deu de presente no dia de São Valentim .. Tem tudo seu menos você. To com uma dívida imensa comigo mesma tantas coisas não vivenciadas e isso me deixa atordoada, percebi que nada foi superado e sim suprimido, que não aprendi nada ao tentar ignorar os fatos.
                Hoje nevou, não consegui evitar, coloquei aquelas luvas horrorosas que você me deu e fui dar um volta por ai, entrei naquela loja de discos que você sempre frequentava, na livraria no final da rua, e por fim comprei um café naquela cafeteria onde nos esbarramos pela primeira vez e você derramou todo café no meu casaco novo. Saí dali e fui andando até encontrar um banco de praça, nosso primeiro beijo. A neve também caía naquele dia, quer saber de uma coisa Charlie? Se é que você já não saiba nesses três anos eu só consegui chorar hoje, toda essa neve lá fora e você nem pode mais sorrir comigo, não pode mais me abraçar e me beijar... Confesso que essa dor doeu mais forte e é também a primeira vez que aceito que isso que eu sinto é dor e das grandes. Mas não doi pelo fato de eu estar sozinha e sim pelo fato de você não poder ter escolhido ficar ou ir embora, pelo fato de eu ter ficado por aqui e aguentar tudo sozinha.
                Fiquei tão revoltada com essa falta de oportunidade e de escolha, tanta gente querendo morrer e logo você, por que você e não eu? A gente ia se casar em cinco dias, não ia? Porque algo tão banal? Por que aquele idiota bebeu demais e acabou com a nossa vida? Por que eu não pude ir também? Não perdi só você, perdi o filho que mal sabia que estava crescendo dentro de mim, eu juro que tentei não ter ódio, mas só consigo ter ódio de tudo. Eu fugi por todo esse tempo, mas agora eu simplesmente não tenho mais forças pra fugir. Perdi a maior parte da minha vida, talvez a recupere um dia ou talvez continue apenas seguindo em frente.
                É quase Natal outra vez. Fui à igreja, mas não consegui rezar e nem perdoar ninguém, também não sei se consigo perdoar Deus, mesmo que não tenha certeza se Ele tenha culpa de alguma coisa, já nem sei se Ele existe. Olhei para os proclames como se não acreditasse que se tivesse passado tanto tempo, aquela data de casamento estava lá, com outros nomes e não os nossos, o tempo passou sim.”

        Paro em frente ao túmulo dele, meus olhos vermelhos e inchados e a vontade de chorar ainda incessante dentro de mim.
- Me desculpe a demora para te visitar, eu estava ocupada demais tentando fugir dessa angústia. Mas saiba meu amor que durante todo esse tempo não houve um só dia em que eu não pensasse em você e no enorme espaço em branco que você deixou ao meu lado.
Não consegui dizer mais nada, apenas imaginei aquela frase:
“- Toca pra mim, eu gosto desse som.”
E eu apenas respondi entre soluços:
-Sim Charlie eu toco. Sei que gosta de flores, mas tinha que tocar uma última vez pra você.
            Sofia então tocou a música que haviam composto juntos. “Doce Inverno”.




Nome: Mayra Borges
Cidade: Bezerros - PE

5 comentários:

  1. Fiquei muito feliz mesmo em ter a honra de ser a primeira e estrear nesse espaço. Muito obrigada Jú. *--*

    www.eraoutravezamor.blogspot.com

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  2. Eu não tinha lido esse, por conta do meu sumiço. Amo o Era Outra Vez...Amor, tanto os textos da Mayra quanto os da Marie♥
    A estréia foi ótima, não poderia ter sido melhor, adorei o texto. Vou ver se participo(do Espaço do Leitor, quero dizer)também;D
    Beijos,
    http://menina-do-sol.blogspot.com/

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  3. Nossa adorei o conto! Parabéns Mayra!

    Beijos

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  4. Muito legal esse novo quadro aqui no blog e adoreiii o texto da Mayra,super tocante!^^ Quero ver outros.
    Beijos!
    Paloma Viricio- Jornalismo na Alma

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  5. olha, eu acho que vcs deveriam se reunir e publicar um livro! isso que eu acho heheh

    Beeeijoooos

    re-becah.blogspot.com

    www.youtube.com/user/blogdareh

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